Fazia um calor escaldante naquele dia. Steven sentia o suor descendo sob seu pescoço, a roupa grudando no corpo e o sol afugentando seus olhos. Queimando-os. Já haviam se passado 49 minutos que ele havia saído do portão escolar e se dirigido para o banco de espera. O tão sonhado ônibus matinal já deveria ter chegado. 50 minutos...56 minutos...58...Steven se encostou na parede e fechou os olhos pressionando-os com força. Pegou sua mochila, passou os dedos pelo zíper da mesma, abrindo-a. Enfiou sua mão e encontrou seu pacotinho de gomas de mascar verdes, último lançamento e que provocavam queimaduras na língua! Além de deixa-las na cor verde, claro. Sem se importar com o barulho, picotou com uma tesoura a embalagem e enfiou duas na boca. Mastigou-as lentamente, sorrindo e ignorando o olhar de duas cinquentonas que resmungavam enquanto ele mastigava em alto e bom som. Glap, glap, glap. Sentindo o gostinho azedo e picante da coisinha verde, a língua começou a pipocar e ficou arrepiada. Sentiu sede. Pegou seu bombom de maracujá e o enfiou na boca de uma vez. Steven riu de olhos fechados, sentindo a cosma que se formava na sua saliva. Prometeu a si mesmo que não beberia água.
A jovem Lina Poe estava totalmente absorta com a questão número 23 sobre “Bissetrizes em triângulos escalenos – Segunda parte”. A resposta certa (sua resposta), nunca batia com a resposta do gabarito. Esfregou a borracha impacientemente pela quinta vez sobre a folha branca lotada de triângulos, ângulos e tabelas. Pelas suas conclusões a resposta deveria ser aquela, não é? E ela nunca se enganava, certo? Erraaado. Enquanto ela passa o transferidor por sua folha, vou destacar os aspectos físicos de Lina: cabelos negros tipo chanel, olhos redondos da mesma cor. Magérrima, pálida e se você reparar bem, ela tem tendências a ficar bastante vermelha. Hábitos: Gosta de andar pelo parque municipal das cinco às seis da tarde, mas odeia natureza. Faz aulas de sapateado de segunda a quarta. E aulas de boxer para acalmar seu nervorsimo, nas terças e quintas. Mora sozinha com o avô padeiro Thomas num lar que fica perto da padaria. É hipocondríaca, tem até seu próprio estoque medicinal no fundo do armário. Sonha ser uma física aeroespacial brilhante. É determinada com o que quer. Sempre pontual. Não suporta filmes românticos - pelo menos foi isso que ela escreveu na sua agenda particular e secreta. Ela também odeia diários.
Melinda se reparou em frente o espelho. Se viu de lado. De costas. De frente. Pegou os cabelos vermelho-sangue longos e desgrenhados e os prendeu num coque malfeito. Seus olhos estavam vazios e fundos. Ela permaneceu cinco minutos se olhando através do reflexo: reparou nas manchas azuladas em volta dos olhos verdes, no tom branco do seu rosto fino, no seu corpo alto e magro; na cicatriz que havia no lado esquerdo da nuca. Prendeu a franja pra atrás e reparou nas unhas da mão descascadas de azul. Vestiu uma velha camiseta cinza que estava no chão, escrita “SHE LOVES YOU”, uma calça jeans surrada e chinelos. Passou pó compacto e blush, tentando afastar sua expressão sem graça. Tropeçou numa caixa de sapatos que estava no meio do caminho e encontrou seu celular embaixo da cama. E novamente, estava atrasada.
Melinda resolveu ser modelo há 8 meses atrás, depois de ser convidada por uma agência desse ramo. E afinal, porque não? E também porque, por mais que se esforçasse, não ia tão bem no colégio. E precisava de um futuro. Era muito desatenta, mas conseguia se virar sozinha enquando sua vida dependia disso. Bom, com uma certa dificuldade, e com atrasados, e com alguns tropeços...estava aprendendo. Morava num apartamento minúsculo que estava sempre desorganizado. E ela gostava dele assim, apesar de ter alguns hematomas no joelho por causa disso.