quarta-feira, 31 de março de 2010

A pequena e as cores

- Então pequena Joana, porque não nos mostra sua essência?
A pequena suspirou e fechou seus olhos por meros segundos, sentindo toda exaustão e vergonha que a havia tomado naquele instante. Abriu-os novamente e coçou um pouco o pescoço nu. Seu foco se perdeu e veio a imagem de um folhetinho que havia encontrado numa calçada imunda à caminho de sua antiga casa. Eram letras miúdas, estreitas e tortas, de cor preta, parecidas com as de Dona Dora, que gostava de deixar recadinhos pregados na geladeira. Mas as letras ainda eram um mundo embaralhado e confuso para a pequena. No outono haveria de aprender sobre elas. Desde as mais redondas, até as mais magrinhas. Todos os tipos. E então, poderia ir até a biblioteca local, sozinha. E não pegaria os que tivessem gravuras. Nunca mais. Porém teria de esperar. Suspirou e suspiros, devo ressaltar, era algo que ela fazia quando tinha raiva, ou seja, com freqüência. A única solução era: pedir para a mamãe que o lesse. Mas mamãe o tomou com os olhos e disse: “Isto não é apropriado pra você, Joana. Além do mais, é hora de jantar.”
Só me lembro quando horas depois, o mesmo folheto parou-se na minha mão e eu olhei os olhos azuis intensos da pequena me fitando como se dependesse daquilo mais do que tudo. Não lembro de tê-los visto com tamanha intensidade por um bom tempo. No passado, eu me perdia nos mesmos. Eram tão azuis...
Resolvi atender seu pedido e o li em voz alta. Era mais ou menos assim: “Porém Elena, estando nos braços de Diego, suspirou e fechou os olhos sentindo o toque dos lábios do doce cavalheiro sob sua testa e depois sob seus lábios. Sentiu suas pernas fraquejando, sua boca seca e perdeu todas as suas forças. Se não fosse pelos braços fortes do seu amado, teria caído sob o chão frio da noite. Continuou com sua plena e inapropriada paixão...”
Joana também sentia suas pernas fracas, sua boca rachada e sua mente como um buraco negro e fundo. Mas seus sintomas não eram de paixão. Era bem diferente. A pequena sempre achou que aquilo só acontecia quando você amava alguém e ela o amava de volta. Era bastante ruim sentir por vergonha e medo.
Naquele momento, a pequena Joana sentiu vontade de se sentir apaixonada.

(Continua)

segunda-feira, 29 de março de 2010

"Já estamos aqui há uma hora.
Ritchie se levanta e entra no rio. A água sobe até seus joelhos. Ele diz:
- Nossas vidas são isso, Ed - ele agora está com essa história de que as coisas passam correndo pela gente. - Tô com 20 anos na cara e... - a tattoo de Hendrix-Pryor pisca pra mim sob o luar. - Olha só pra mim: não tem nada que eu queira fazer.
É inegável como a verdade pode ser brutal às vezes. Só dá pra admirá-la.
Geralmente passamos a vida acreditando em nós mesmos. "Eu tô bem", dizemos. "Tá tudo bem". Mas às vezes a verdade pega no pé e não tem santo que a faça desgrudar. É aí que percebemos que às vezes ela nem chega a ser uma resposta, mas sim uma pergunta. Mesmo agora, estou aqui pensando até que ponto minha vida é convincente.
Eu me levanto e vou pra perto do Ritchie no rio.
Ficamos os dois ali, com água até os joelhos, e a verdade acaba de arriar nossas calças.
O rio continua a correr.
- Ed? - Ritchie diz mais tarde. Ainda estamos dentro da água. - Só tem uma coisa que eu quero.
- O que é, Ritchie?
Sua resposta é simples:
- Querer."

Eu sou o mensageiro - Markus Zusak

A garota sentou-se numa cadeira em frente à um parque velho e abandonado. Tarde da noite. Estava voltando de um barzinho, como sempre fazia. Mas dessa vez, ao invés de arrancar seu carro acabado e voltar cambaleando para casa, ela parou e resolveu ficar sentada ali por alguns instantes. Sentia-se como se nunca mais fosse se encaixar de novo. É, ela estava completamente perdida. Desnorteada. Presa dentro do labirinto que ela mesmo criou. Acendeu um cigarro e o tragou, se perguntando porque ninguém passava naquela rua. Reparou nos brinquedos que haviam na sua frente, nenhum devia funcionar. Mas sentiu uma vontade enorme de correr até lá e entrar em algum que girasse, girasse, girasse até ela não conseguir mais enxergar o que tinha na sua frente. Só para deixar a mente vazia...calma. Respirou fundo e jogou o cigarro no chão. Olhou para o céu nublado. Iria chover. Nem se importou. Ela já estava vivendo uma tempestade há muito tempo.

Talvez um dia você encontre


Espero que um dia você encontre por aí, todas as palavras que eu usei pra tentar te convencer do que eu sinto. Todos os papéis que eu amassei de raiva, por não conseguir escrever sobre isso. Todas as dores que me provocou. Todas as lágrimas que eu derramei de saudade e todos os sorrisos que usei quando me faziam lembrar de você. Todos meus desabafos. Todas às vezes que eu tive vontade de ir até você e falar tudo que estava me matando. Todos os abraços e beijos que eu guardei. Todos os dias que eu perdi, tentando fazer você me notar. De um jeito de diferente. Todas as cicatrizes que se formaram com o tempo. Talvez o vento traga tudo isso pra você. Talvez nunca perceba tudo que já me fez sentir. Mas todas as lembranças vão sempre pesar dentro de mim.